Comportamento, moda, fotografia, música, textos de amor e dicas. Um Blog com tudo aquilo que adoramos fazer antes de sonhar! – Por Mariana Solis

sábado, dezembro 03, 2011


Uma voz dentro de mim – II

Por um instante tive medo, mas continuei. Meus pés descalços e o coração sem frequência só me fazia pensar no quão debilitada estava ficando. –Vá.
Por mais que eu não encontrasse aquela voz em nenhum lugar, ela parecia saber exatamente o que eu sentia, e mais: me fazia querer aquilo cada vez mais.
(Parte I – Clique aqui para lê-la)

"O próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela."
Fernando Pessoa
A voz tomou-me por inteiro. Subitamente corri até o fim do térreo. Sob os meus pés mais de vinte andares e a avenida a fluir, às nove horas da noite. Um arrepio subiu-me pela espinha e cambaleei para trás, pela vertigem da altura. Um gosto amargo veio à boca e ali mesmo vomitei, esperando vomitar também tudo aquilo que me intoxicava nos últimos meses. A voz continuava a me perseguir, sem ao menos saber de onde vinha.
–Levante-se. Vá.
Metade de mim parecia aceitar a ordem, a outra metade não conseguia resistir. Olhei para os meus pés, tentando evitar a visão da avenida logo abaixo. Do alto, os carros e pessoas pareciam formigas. E eu, no meio de tantas vidas, era uma formiga no meio de uma multidão. O fluxo seguia, e naquele momento, achei mais insignificante ainda a minha dor. Depois de tanto tempo sem conseguir, eu caí em prantos. As lágrimas rolavam insistentes, tinindo a minha própria vida amargurada.
–Jogue-se.
(...)
–Jogue-se.
(...)
–JOGUE-SE.
Fechei os olhos, atormentada pela voz na minha cabeça. Por mais que tudo doesse, que por dentro só me restava sangrar e estivesse sentindo tanto fracasso, eu desejava a morte de outra forma. Queria eu morrer por vontade própria, só que nem isso eu tinha mais. Toda a fortaleza que tentei construir em torno da minha dor inexistia. Me senti uma marionete guiada por impulsos impróprios e com pensamento livre. O martírio da voz parecia me fazer aceitar por desistência, a mais uma tortura que a vida me submetia. Um soluço fino subia-me a garganta, enquanto meus prantos tocavam em água no chão. Sentia a brisa vinha leve na minha pele entorpecida, e ali, não havia mais controle algum.
–JOGUE-SE.
Segurei minha respiração por pouco tempo, mas o suficiente para ver que eu não suportaria dez segundos sem oxigênio nos meus pulmões. Envolto de um manto preto, pensei ver a morte. Será que ela estenderia a mão a mim?
–JOGUE-SE.
(...)
Se aquele era o meu destino eu obedeceria.
–Não vá.
(...)
Por favor, não vá.
(...)
Naquele instante a morte parecia tão convidativa, que minha vontade era mesmo de ir. Se era para desistir de mim mesma, eu desistiria. Afinal, eu não tinha sequer um resquício de sentimento por mim, apenas ódio. Eu me destruí
JOGUE-SE.
–Por favor, não vá.
Pairava sobre minha cabeça uma escuridão imensa, que mal se fez luz o próprio movimento daquela noite na cidade. A voz voltava a falar, mas dessa vez, eram duas. A rude era forte, e dominava-me por completa. A outra soava afável, como uma cantiga de ninar. No entanto, desconhecia: daquela voz não me lembrei de rosto algum. Aliás, não existia uma única voz que eu gostasse de lembrar: todas me fizeram sofrer.
Se eu estava sozinha, por que eu ficaria?
JOGUE-SE.
(...)
–Você não está sozinha. Eu sei o que sentes.
A voz angelical me abraçava com serenidade. Me envolvia de uma paz que não tirava do meu peito a angústia da morte. A altura continuava logo abaixo de mim, e eu, numa quase entrega a ela. Eu estava dizendo adeus.
–Nem sempre o adeus é a única saída.
(Nesses casos, não há outro caminho.)
–Por favor, não vá.
(E por que eu ficaria?)
–Porque não é a sua hora.
(...)
–JOGUE-SE.
–É uma escolha sua.
(Eu devo ir.)
–Você quer ir?A voz afável me fez pensar. Diante dos meus olhos vi passar minha vida, como as memórias que veem à tona antes de morrer. Só que eu senti: mesmo que fraca, eu não estava morrendo. A voz branca segurava-me.
–JOGUE-SE.
(...)
–Por favor, não vá. Você não está sozinha.
(Não devo ficar. Ninguém me ama.)
– O verdadeiro amor é o próprio.
(Eu não me amo.)
–Eu te amo.
(...) O desespero bateu-me no peito. A voz rude silenciou-se brevemente.
Não conseguia acreditar.
(Então quem é você?)
–Sou a vida. 
JOGUE-SE. A voz escura tentou uma última vez.
–Por favor, filha, não vá. Eu amo você.
Me senti envolvida por um brilho, no meio da negritude. Tudo se fez luz naquele instante. Havia amanhecido? Só então descobri: a luz vinha de dentro de mim. Fez-se um clarão de dentro para fora, até tudo se tomar por um branco infindável. Tudo se tornou ausência. Faltou ar, luz, escuridão, vida, morte. Eu também faltei. Não sabia nem ao menos onde estava.
–Você está comigo, minha filha.
E a vida me abraçou. Eu abracei minha nova vida.
–Obrigada por ter me escolhido.
(Obrigada por não me deixar ir.)
–Eu amo você. 
Sorrio.
–Não devia ter chegado a esse ponto, de pensar em me abandonar.
(É, eu não devia.)
–Abra os olhos.
A voz afável deu lugar ao barulho da avenida. Já era dia. Os médicos me colocavam na maca. As pessoas estavam em torno de mim, conversando todas juntas atormentadas.
(Eu me joguei.)
–Sim.
O barulho continuava. Minha cabeça doía.
(Você me salvou.)
–Não, filha, você se salvou. 
(E o que foi que eu fiz?)
Pensaste em mim antes de ir.
Senti brotar uma lágrima dos meus olhos. A luz me entorpeceu por um instante e a voz sumiu da minha cabeça. O soar afável da vida me fazia bem. Na falta dela, senti-me humana demais.
Sozinha demais.
–Você não está sozinha. Abra os olhos.
Uma mão limpou as lágrimas dos meus olhos. O toque era suave. Eu estava na ambulância.
–Obrigada. Eu disse.
O jovem sorriu, mas o desconhecia. Por um momento pensei conhecê-lo de algum lugar. Talvez fossem seus olhos, tive a sensação que por eles via sua alma. Ele se aproximou e sussurrou:
–Vida.
(...)
–Eu amo você. 
A última coisa que me lembro era de fechar os olhos e agradecer por estar ali depois de tanto tempo apenas existindo.
(É, vida, eu também.)
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